quarta-feira, 22 de julho de 2015

Queremos promover masculinidades não violentas

Pesquisadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e diretora da ONG Promundo, portuguesa vive entre o Rio e o exterior

A “revolução” virá da socialização. Fizemos estudos que mostram como há uma transmissão da violência de geração para geração. Se a prática do cuidado for disseminada nessa lógica, conseguiremos promover a transmissão geracional deste valor.

"Nasci em Coimbra, em Portugal. Em 2005, vim fazer pesquisa para a minha tese de Doutorado, no Rio de Janeiro. Foram seis meses que já viraram uma década. Continuo no Rio, dividindo meu tempo entre Brasil e outros países. Sou mãe da Gabi, de 7 anos, que me move cotidianamente na busca por igualdade"

Conte algo que não sei.

Os homens fazem parte da revolução de gênero. As mulheres representam hoje 40% do mercado de trabalho, mas os homens não ocupam 40% do trabalho de cuidado com os filhos e atividades domésticas.

Ainda estamos muito longe de ter essa participação?

Varia de acordo com o país, mas a verdade é que eles só ocupam 20% desse espaço. Podemos começar a mudar pelas leis. No Brasil, por exemplo, são só cinco dias de licença paternidade. Não se aposta nada na participação do homem.

De onde virá a “revolução”?

Da socialização. Fizemos estudos que mostram como há uma transmissão da violência de geração para geração. Se a prática do cuidado for disseminada nessa lógica, conseguiremos promover a transmissão geracional deste valor.

A senhora fala muito da importância de se trabalhar a masculinidade. Que “masculinidade” é essa?

Queremos promover masculinidades não violentas. A masculinidade é construída em torno de conceitos como racionalidade, razão, frieza e violência. A mulher fica com emoção e paz. O nó está nessa dinâmica de oposição e antítese.

Esse esforço fica ofuscado no debate de gênero?

O mundo tem avançado nos últimos 20 anos. Estamos mais perto do que longe do ideal. Para mim, não há distinção entre o movimento de masculinidades e o feminismo. Mas existe ainda a tendência de fratura. O investimento visa a respostas imediatas para as vítimas de violência, o que é necessário. Mas, se queremos também a prevenção e os agressores são homens, não podemos trabalhar só com mulheres.

Como o movimento feminista reage a essa abordagem?

Muita gente vê que fazemos parte de um mesmo movimento. Mas ainda há quem ache que o trabalho sobre masculinidades é secundário.

Se o machismo é uma construção social, quando ele começa a se manifestar?

Não sei dizer em que idade isso acontece. Mas, a partir do momento em que você não permite que um filho brinque com bonecas ou ache que carrinho não é coisa de menina, está sutilmente a perpetuar o machismo.

Como é com a sua filha?

Faço um esforço muito grande para ela entender em casa coisas que, às vezes, não aprende com os coleguinhas. O pai dela é extremamente presente e igualitário e somos pais não violentos. Com essa educação, percebo que já lhe causa estranheza o uso da violência ou as pessoas acharem que dois homens não podem namorar, por exemplo. Quando os coleguinhas começam a falar de namoro ela diz: “Ainda estou muito nova para isso. Nem sei se vou querer namorar menino ou menina.”

Muito se fala sobre o crescimento do conservadorismo no Brasil. Como isso tem ecoado sobre o debate de gênero?

Atravessamos um momento muito delicado. Fico chocada com o que as pessoas dizem publicamente, mostrando todo o seu ódio. Isso é um grande recuo na luta pela igualdade.

Há risco de retrocesso?

Há propostas de um lado conservador que incluem a retirada da palavra “gênero” dos manuais escolares. Além disso, ainda temos muitos políticos ligados a igrejas que consideram o feminismo como encarnação do demônio. Considero isso chocante.


Fonte: O Globo

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