quinta-feira, 16 de julho de 2015

Qual é a relação entre masculinidade e violência contra mulheres?


Em média, uma em cada três mulheres no mundo sofrerá violência por parte de algum parceiro (ficante, namorado, marido) em algum momento de sua vida. Esta é a principal conclusão de um estudo realizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 44 países, em que quase meio milhão de mulheres foram entrevistadas entre janeiro de 2000 e abril de 2013.

Já no Brasil, uma pesquisa realizada em novembro de 2014 com 2.046 mulheres com idades entre 16 a 24 anos encontrou quase o dobro da taxa de violência do estudo da OMS. Aqui, três em cada cinco mulheres disseram já ter sofrido violência — física, sexual ou psicológica — por parte de algum parceiro.
Em comum, os casos registrados nos dois estudos têm o fato de que — tanto no Brasil quanto em Bangladesh, Japão, Etiópia e nos outros 40 países examinados — os agressores são, invariavelmente, homens. No entanto, parte dos esforços de governos e de organizações independentes para prevenir este tipo de violência ainda falha em tratar da formação de meninos e homens e em questionar modelos de masculinidade baseados em violência e dominação.


O I Seminário Internacional Cultura da Violência contra as Mulheres, realizado em São Paulo nos dias 21 e 22 de maio, reuniu especialistas de vários países e colocou em debate, entre outros temas, a necessidade de se desconstruir e problematizar a violência de homens contra mulheres a partir desta masculinidade hegemônica.
O conceito, elaborado pela socióloga australiana Raewyn Connell em meados da década de 1980, se refere a um modelo de masculinidade que, apesar de não ser praticado por todos os homens, é transmitido a eles como ideal masculino. Este modelo, incentivado social e culturalmente, implica na afirmação de homens como tais também através da opressão e da violência contra mulheres.
Maria Luiza Heilborn, professora do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pesquisadora do CLAM (Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos), uma das especialistas presentes no seminário, acredita que, no Brasil, a masculinidade hegemônica está profundamente ligada ao controle da vida sexual das mulheres. Para ela, esta maneira de ser homem também se funda na figura do “predador sexual” e conecta certa “honra masculina” à conduta sexual das mulheres com quem este homem se relaciona.

“Este modelo aparece de maneira muito forte na violência contra as mulheres, porque quando uma mulher desiste daquele homem, a honra dele está manchada. São os casos mais clássicos de pancadaria na família ou eventualmente assassinato [da mulher]”, comenta Heilborn. “Há um desenvolvimento da estrutura psíquica masculina — do ponto de vista cultural, não de indivíduos em particular — que está pouco preparada para receber a rejeição feminina. É ele que pode rejeitar.”
Heilborn ressalta também como esta masculinidade hegemônica subordina outras maneiras de ser homem que não estejam baseadas nestes valores. “Não precisamos falar só de homossexualidade. Um homem tímido, por exemplo, será sacaneado por outros homens.”
Biologia x Cultura
O foco em masculinidades, no plural, e na ideia de que existem diversas maneiras de ser homem, é crucial para desconstruir comportamentos tidos como “naturais” ou inerentes a certa configuração biológica dos machos da espécie humana. É este o tema trabalhado por Matthew Gutmann, professor de antropologia na Brown University (Estados Unidos).
Ele comenta como a noção de que o comportamento violento e dominador de alguns machos humanos seja uma constante em machos de todo o reino animal, muito presente no senso comum, não se sustenta. Há cada vez mais registros de espécies de animais em que o comportamento de fêmeas e machos diverge — e não pouco — das ideias hegemônicas sobre como deveriam se comportar fêmeas e machos da espécie humana. “Por alguma razão estes exemplos não se tornaram tão conhecidos, e eu acho que é porque estas espécies de animais em que os machos estão no controle, em que eles lutam entre si, levam as pessoas a pensar ‘olha só, é a mesma coisa entre humanos’. E isso ajuda a naturalizar quem somos e por que fazemos o que fazemos.”
Para Guttman, transformar um traço social em algo biológico é “perigoso”, pois não só legitima tais comportamentos como também sufoca os esforços para transformá-los. “Temos que entender que somos animais e temos corpos biológicos, mas não somos controlados por eles. E temos que entender que as raízes da violência entre homens têm mais a ver com relações de poder e com homens tentando controlar mulheres em várias sociedades. E que isso é verdade tanto no nível íntimo, dentro de casa, com o marido tentando submeter a esposa fisicamente, como também na sociedade como um todo.”

Fonte: Opera Mundi

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